Por Morgani Guzzo e Pedro Ordones
Ser minoria em uma área do conhecimento nem sempre significa perceber as lacunas e barreiras para a nossa presença nestes espaços. Esta é uma das conclusões do estudo de mestrado da oceanógrafa Adriana Lippi, realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e defendido em setembro de 2024.
A pesquisa intitulada Mulheres nas Ciências do Mar: Estudo de caso sobre o campo e sobre os programas de pós-graduação no Brasil foi apresentada durante a quinta sessão do Seminário do Observatório Sul-Sudeste do Caleidoscópio: Instituto de Estudos Avançados em Iniquidades, Desigualdades e Violências de Gênero e Sexualidade e suas múltiplas insurgências, que ocorreu de forma online no dia 25 de setembro de 2024, véspera da defesa de Adriana.
Acesse o gravação da apresentação de Adriana no nosso canal do Youtube:
Aumento no número de mulheres nas Ciências do Mar não representa avanço
De acordo com dados do Censo do Ensino Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), de 2009 a 2022, as mulheres representavam cerca de 56,17% das pessoas graduadas em oceanografia, de um total de 3.292 pessoas. No entanto, como mostrou Adriana em sua pesquisa, quando observado a progressão da carreira, a presença das mulheres vai diminuindo.
Com base na coleta e análise de dados de 36 Programas de Pós-graduação em Ciências do Mar do país, Adriana demonstrou que, em números absolutos, a presença de mulheres docentes vem aumentando em vista do aumento do número de cursos de pós-graduação. Porém, quando observado o percentual comparativo entre homens e mulheres, a presença das mulheres fica mais estagnada, indo de 28,8% para 31,8%, tendo um aumento de apenas dois pontos percentuais em um período de 15 anos.
“A gente fez uma análise, uma ilustração do efeito Leaky Pipeline, que seria: se a gente considerar a progressão de carreira como um encanamento, a gente nota que as mulheres estão vazando desse encanamento ao longo da progressão. Então, de pessoas tituladas como graduadas, com graduação nas Ciências do Mar, a gente tem 54% delas mulheres. Quando a gente abre a etapa de doutoras, as tituladas são 47%; mas, na docência, a gente vê as docentes com só 28% do corpo docente de pós-graduação”, relatou Adriana.
Percepção sobre dificuldades e obstáculos baseados no gênero é diferente entre docentes
Além de levantar e analisar os dados sobre a presença das mulheres nas Ciências do Mar, a pesquisadora ainda buscou compreender a percepção das barreiras, violências e dificuldades das mulheres docentes nesta área.
A partir da entrevista com onze professoras de programas de pós-graduação na área, com faixa etária diversa, de 30 a 70 anos, e tempo de experiência na docência variando de 1 a 31 anos, Adriana identificou diferentes percepções sobre a existência de impactos por questões de gênero em suas carreiras. Entre as docentes mais jovens, por exemplo, foi mais comum a identificação das violências e obstáculos; questões como a maternidade e relações de cuidado com estudantes também foram mencionadas somente por algumas das entrevistadas.
Em suas conclusões, a oceanógrafa constatou que, nos últimos 18 anos, ocorreu a diminuição da inclusão das mulheres nos programas de pós-graduação. Quanto à percepção das violências e barreiras na carreira pelas docentes, estudantes mais jovens são tidas como mais vulneráveis a assédios (principalmente em situações de embarque), há pouca confiança nos canais de denúncia das Instituições de Ensino Superior (IES) e pouca proximidade com conceitos de ações afirmativas e debates sobre gênero e diversidades.
Em sua dissertação, Adriana também propõe, com base em uma literatura atualizada sobre o tema, recomendações para o enfrentamento deste cenário, tais como: disponibilização de dados públicos sobre perfis de estudantes pelas unidades de ensino, criação e direcionamento de recursos para políticas institucionais voltadas para gênero e diversidade e o combate ao assédio nas instituições, além de esquemas de mentoria e projetos de extensão voltados para mulheres.
Adriana Lippi é formada em oceanografia pela USP e mestre pelo Programa Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) É co-fundadora da Liga das mulheres pelo oceano, membro do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte (SP) e conselheira na Área de Proteção Ambiental do Litoral Norte (SP). É educadora ambiental desde 2008, e participa e desenvolve atividades relacionadas à cultura oceânica e educação crítica e transformadora para a participação social. Desenvolve trabalhos de tecnologia da informação para pesquisa, ciência cidadã, movimentos sociais e divulgação científica, já tendo realizado controle de qualidade de dados, análises, criação e gestão de banco de dados e criação para web.