Por Morgani Guzzo
O debate público sobre as violências de gênero e o assédio dentro das universidades tem se tornado mais presente e incisivo nos últimos anos. A visibilidade sobre essas questões é reflexo da resistência e da mobilização de estudantes e docentes dentro das universidades. Coletivos feministas e negros têm demandado das instituições políticas específicas, considerando que, historicamente, situações de assédio moral e sexual foram silenciadas e acobertadas devido, principalmente, ao sexismo, misoginia e racismo no ambiente acadêmico.
Por isso, desde 2016, as universidades começaram a criar políticas de prevenção e enfrentamento às violências, segundo mapeamento realizado por Neiva Furlin, professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc).
Durante a 5ª sessão do Seminário do Observatório Caleidoscópio, realizada em 25 de setembro de 2024 de forma on-line, Neiva apresentou as motivações, o método e os principais resultados de sua pesquisa, intitulada Mecanismos Institucionais para o enfrentamento das desigualdades e violências de gênero em universidades brasileiras.
Assista à apresentação completa da professora Neiva Furlin em nosso canal do Youtube:
“Desde a minha graduação, tenho feito estudos com a perspectiva de gênero, e considerava a academia um espaço ainda muito masculino. Alguns anos atrás, realizei um estudo comparativo entre as políticas para as mulheres no Brasil e no Chile, países onde as duas presidentas eram mulheres. Então, em 2018, ocorreu o Maio Feminista no Chile, em que mulheres pararam as universidades públicas por conta de um caso de abuso, reivindicando uma educação não sexista. Aí parei para pensar: o que será que há no Brasil com relação a esse tema? Foi daí que construí este projeto, que foi aprovado pela Chamada Universal do CNPQ em 2021”, contou Neiva.
A pesquisa, realizada pela docente com ajuda de estudantes de Iniciação Científica, visou mapear os mecanismos institucionais criados em universidades brasileiras para a prevenção e enfrentamento às violências de gênero. Ao todo, foram 124 universidades mapeadas, sendo 69 universidades federais, 23 universidades estaduais das regiões Sul e Sudeste e 32 universidades comunitárias da região Sul.
“Quando olhamos para as IES que possuem algum mecanismo, das 69 federais, 40 tinham, e somando todas as políticas, não só de enfrentamento das violências e prevenção, mas para a igualdade de gênero, ações afirmativas de gênero, encontramos 51 mecanismos (algumas universidades tinham mais de um). No entanto, quando observamos somente as ações para o enfrentamento às violências e prevenção, das 124 universidades mapeadas, encontramos apenas 31 mecanismos, presentes em menos de 25% das universidades”, mostrou Neiva durante o evento.
Políticas contra as violências nas universidades foram implementadas por pressão de baixo para cima
A pesquisadora também observou que muitas dessas políticas e mecanismos foram implementadas, majoritariamente, a partir do ano de 2016, e o estímulo para essa implementação foi a publicização de denúncias feitas por alunas, professoras e coletivos feministas contra professores assediadores, o que representa, segundo ela, um movimento de baixo para cima.
“A institucionalização das poucas políticas de prevenção e enfrentamento e que realizam o acolhimento e o encaminhamento das denúncias de violência só foi possível a partir de pressão de coletivos feministas no interior das universidades, o que mostra como o feminismo é uma das ferramentas de luta democrática para alcançarmos o fim das violências de gênero”, defendeu.
A pesquisa mapeou os mecanismos existentes até 2022. Segundo a pesquisadora, a partir de 2023, a realidade passa a ser outra. “Agora, o movimento vai ser outro, porque nós temos uma lei federal que obriga a ter algum programa dentro das instituições públicas. Vai ser um movimento de cima para baixo”, ponderou, mencionando a Lei 14.540/2023, que “Institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal”.
Publicação dos resultados
Os resultados da pesquisa, já concluída, ainda estão sendo publicados. Já podem ser acessados os artigos: “Iniciativas das universidades comunitárias da Região Sul do Brasil na prevenção e enfrentamento das violências de gênero contra as mulheres”, publicado por Neiva Furlin e Eloisa Bido na Revista Internacional de Educação Superior em de dezembro de 2023; e “Enfrentamento da violência de gênero em universidades federais brasileiras: mapeamento dos mecanismos institucionais”, publicado por Neiva e Ana Cristina Coll Delgado no fim de outubro pela Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação.
Além de artigos, a pesquisa previu a produção de uma cartilha, publicada também em 2024 e intitulada “Violências de gênero nas universidades: prevenção e enfrentamento”. De forma simples e didática, a publicação apresenta os tipos de violência de gênero, informações de canais e formas de denúncias, boas práticas, legislações, além de sugestões de materiais formativos, como vídeos e filmes.
Em nosso segundo episódio do Podcast Universidade Livre de Assédio, que vai ao ar nos próximos dias, a professora Neiva também apresentou os resultados da pesquisa e comentou sobre os desafios e dificuldades para que as políticas institucionais sejam eficazes e transformem o ambiente acadêmico em um local seguro para todas as pessoas. No Spotify, inscreva-se para receber a notificação quando sair o episódio.
Neiva Furlin é professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), fez doutorado sanduíche no Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades (CEIICH) da Universidade Nacional Autónoma de México (UNAM) e pós-doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Atualmente, é líder do Grupo de Pesquisa Educação, Políticas Públicas e Cidadania (GEPPeC), da Unoesc, integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nupe/UFPR), o Grupo de Pesquisa Gênero, Educação e Cidadania na América Latina (GECAL/América do Sul), da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), e o Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e é Membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd).