Por Morgani Guzzo e Pedro Ordones
A violência de gênero e o assédio nas universidades têm sido cada vez mais debatidos nos últimos anos. Pesquisas recentes, como a desenvolvida pela professora da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Maria Cristina Cavaleiro, têm demonstrado que essa é uma realidade muito mais frequente do que se tem notícia.
“Em reuniões que eu tinha com estudantes, eles falavam, com muito cuidado, e expunham em sigilo casos de assédio. Então pensei que aquilo merecia uma atenção mais aprofundada”, relatou Cris sobre suas motivações para iniciar a pesquisa, em fala durante a segunda sessão do Seminário do Observatório Caleidoscópio do Observatório Sul-Sudeste do INCT Caleidoscópio – Instituto de Estudos Avançados em Iniquidades, Desigualdades e Violências de Gênero e Sexualidade e suas Múltiplas Insurgências, que aconteceu de forma virtual no dia 23 de maio de 2024. Acesse o vídeo da apresentação aqui.
De acordo com levantamento de dados realizado pelo Intercept Brasil, desde 2008, cerca de 556 mulheres, dentre funcionárias, docentes e discentes, já sofreram algum tipo de violência em instituições de ensino superior no Brasil. Os dados foram obtidos através de 209 ocorrências em diferentes universidades, que mostravam que na grande maioria dos casos, o agressor era um aluno ou docente da instituição.
“É necessário identificar e entender como acontecem os diferentes tipos de violência nos âmbitos universitários, para que se possa combatê-los e evitar que se tornem apenas mais um relato em uma ouvidoria”, afirmou a pesquisadora, que assina juntamente com a Elisangela Lizzi, professora da UTFPR, o artigo “Violência de gênero na Universidade: resistências para além de silêncios e omissões“, publicado em 2024 pela revista Olhares, v. 12, n. 1. O foco da pesquisa foi compreender de que maneira a comunidade universitária da UENP percebe e vivencia as violências e quais são suas percepções sobre as formas de enfrentamento das mesmas pela instituição.
A UENP é uma universidade multicampi, com campus nas cidades de Jacarezinho, Bandeirantes e Cornélio Procópio. Ao todo, são 26 cursos de graduação, sendo 16 de licenciatura e 10 de bacharelado. Para a pesquisa, foi divulgado um formulário focado em estudantes (maiores de 18 anos matriculados e regulares do terceiro ao sexto semestre dos cursos de graduação ofertados nos períodos matutino, vespertino e noturno da universidade). Dos 4.341 estudantes regulares, 647 responderam ao formulário, sendo 235 do campus de Jacarezinho, 144 de Bandeirantes e 209 de Cornélio Procópio.
Os resultados chamam a atenção, mas coincidem com levantamentos similares realizados em outras universidades brasileiras. Dos estudantes envolvidos na pesquisa, cerca de 55,4% já presenciaram algum tipo de violência no ambiente universitário, sendo 81% mulheres (290) e 19% homens (68). Outro dado relevante é que a grande maioria desses casos, 81%, afirmou que não encaminha qualquer reclamação ou denúncia.
Com sua pesquisa, a professora concluiu que há um grande silêncio, por parte da universidade, diante dos casos de violência e assédios, além de faltar mecanismos específicos para seu enfrentamento. “Existe muito silêncio sobre a violência, e o silêncio sobre a violência é violência. Existe apenas uma ouvidoria na universidade, que é para tudo. Então, os alunos falam: ‘para que eu vou encaminhar para lá?’. Eles relataram a insegurança, não ter um órgão específico, a falta de confiança de que o problema será solucionado, e a passação de pano, inclusive da própria direção de curso”.
Cris Cavaleiro é doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professora adjunta na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Campus Cornélio Procópio, atuando no ensino, pesquisa e extensão para a formação em Política Educacional, Gênero e Sexualidades. É líder do Grupo de Pesquisa e Ensino em Políticas Públicas em Educação e Processos de Escolarização (GEPEPEE-UENP) e integrante do Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual (EdGES/FE/USP).